sábado, 24 de novembro de 2012

Conversando com Joseph Campbell.

             
               Os mensageiros animais,enviados pelo Poder Invisível, já não servem mais, como nos tempos primevos, para ensinar e guiar a humanidade. Ursos, leões, elefantes, lobos e gazelas estão nas jaulas de nosso zoológicos. 
              O homem não é mais o recém-chegado a um mundo de planícies e florestas inexploradas, e nossos vizinhos mais próximos não são as bestas selvagens, mas outros seres humanos, lutando por bens e espaço, num planeta que gira sem cessar ao redor da bola de fogo de uma estrela.               Nem em corpo nem em alma habitamos o mundo daquelas raças caçadoras do milênio paleolítico, a cujas vidas e caminhos de vida, no entanto devemos a própria forma dos nossos corpos e a estrutura das nossas mentes. 
              Lembranças de suas mensagens animais devem estar adormecidas, de algum modo, em nós, pois ameaçam despertar e se agitam quando nos aventuramos em regiões inexploradas. Elas despertam com o terror do trovão. E voltam a despertar, com uma sensação de reconhecimento, quando entramos numa daquelas grandes cavernas pintadas. Qualquer que tenha sido a escuridão interior em que os xamãs daquelas cavernas mergulharam, em seus transes, algo semelhante deve estar adormecido em nós, e nos visita à noite, no sono.

Joseph Campbell - O PODER DO MITO.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O inconsciente e o Gozo

Ser consciente de uma coisa significa ter na cabeça a coisa e o nome que a designa. Por isso diremos, por exemplo, que o inconsciente se serve das palavras do pré-consciente para ser ouvido.
O inconsciente fala com as palavras do pré-consciente. Em outros termos, quando a pulsão inconsciente se exterioriza, ela entra na zona pré-consciente, se associa a uma palavra que lhe convém e, sob esse disfarce, torna-se perceptível para a consciência. Em suma, só perceberemos nosso inconsciente mediante nossa consciência. A consciência capta o inconsciente na forma de uma palavra surpreendente pronunciada por nossa boca ou pela de um outro.
        No entanto, nessa dinâmica entre inconsciente, o pré-consciente e o consciente, onde situamos o gozo? Como ele é percebido pela consciência? Ou então, como o objeto é percebido? Justamente, o gozo é essa parte do inconsciente que, quando se exterioriza, não encontra palavras para se dizer., como se atravessasse o pré-consciente sem nele se demorar. A partir daí, como é que ele se manifesta, a não ser por excrescências mórbidas no corpo (psicossomática) ou na ação (passagem ao ato)? (Násio, 2011).


Bibliografia


NASIO, J.D. Os Olhos de Laura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2011.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Das ding e a "ausência da demanda"


O imperativo do gozo, o transbordar da irrefreável busca obsedante por das ding, a tela de Ernst retrata muito bem as profundezas abissais do gozo, seus movimentos, sua face, seu pleito pelo impossível reencontro com das ding.
Objeto perdido da espécie humana (Countinho, 2000), das ding é apresentado em 1895 como “neurônio A” em O Projeto para uma Psicologia Científica, texto Freudiano, relido por Lacan, mentor da noção de “objeto a”.
Referindo-se a das ding, Freud pensa no alvo da pulsão como sendo a satisfação, mas muito mais do que isto, minuta que esta satisfação já fora obtida um dia, em um dado momento na pré-história individual. No ímpeto de tentar reeditar esta satisfação primeva as evidências fulgurantes são as do impossível da satisfação, o real se faz presente (Roza, 2004).
Das ding não pertence ao espaço da representação, não habita o aparato psíquico designado por Freud, nem mesmo encontra-se em PSI pallium ou PSI núcleo, mas faz-se presente mesmo ausente. Irremediavelmente é esse objeto, das ding, enquanto o Outro absoluto do sujeito que buscamos reencontrar, mas por sua natureza ele é perdido para sempre. Um sinal, algo como índice da "Coisa" perdida entra em cena com Lacan, a saber, objeto a.
Amiúde, algo no nível das Vorstellungen sinaliza a Coisa. É um vazio tantalizador, testemunha de das ding e que não pode ser preenchido por objeto algum. Em seu Seminário VII Lacan nos brinda com a noção de "objeto a". Este não é das ding, mas testemunha deste como objeto perdido para sempre.
O "objeto a" não é objeto do desejo, mas sim o objeto causa do desejo. O objeto do desejo é a fantasia. Objeto a é, portanto, contornado pela pulsão, produtor da falta, índice da Coisa perdida da espécie humana (Roza, 2004).
Enquanto as formações do inconsciente são formações causadas pelo objeto, acabam por serem decifráveis, sendo uma enfermidade do tipo psicossomática o resultado de formações do objeto a, totalmente indecifráveis, pois neste caso o sujeito faz-se objeto. Para Lacan, o analista funciona como representante do objeto a, encontrando muitas dificuldades quando se vê subtraído de seu lugar de analista, a saber, quando o objeto retorna ao sujeito em outro lugar, no corpo (Násio, 1993).
Uma das dificuldades maiores reside no fato de que, nas afecções psicossomáticas, uma das dificuldades do analista para recolher esta formação do objeto a, que é uma enfermidade psicossomática, vem do fato de que o objeto retorna ao sujeito em outro lugar, como se o lugar do analista lhe fora subtraído (Násio, 1993, p. 102).
Násio (1993) lembra que o difícil nesses casos, é que esses pacientes não lhes demandam, tendo o objeto consigo, roubando-lhe o lugar de analista. Em pacientes graves ou de lesão, o objeto é uma espécie de excesso excessivo, um fora-do-corpo, objeto feito de um excesso de gozo.
O sujeito da fantasia é o sujeito escondido sob a forma do objeto. No sujeito da lesão ele passa a ser a própria lesão, o sujeito lesão, sujeito espasmo, etc.
No que tange as formações do objeto a, o objeto reaparece enxertado no corpo, como uma "besta" silenciosa, sob a forma de alucinação, passagem ao ato ou de uma lesão de órgão.
No imperativo do gozo aloja-se a tétrica procura por das ding, a ausência de demanda se faz presente. Seria possível pensar em uma terceira tópica?






Bibliografia:

FREUD, S. O Projeto para uma Psicologia Científica. In: Edição standard brasileira das obras complestas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1895.

JORGE, M A. C, Fundamentos da Psicanálise - De Freud a Lacan. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000

NASIO, J.D. Psicossomática: As Formações do Objeto a. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004

ROZA, G. Introdução à Metapsicologia Freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.








sexta-feira, 9 de março de 2012

Uma Neurose Demoníaca do Século XVII

Ao debruçar-se com grande interesse na história claudicante de Christoph Haizmann, pintor do século XVII, Freud propõe uma dialética entre elementos constituintes da neurose, psicose, melancolia e da inibição, problematizando de forma escrutinada o significado da figura paterna esboçados nas pinturas de Haizmann sobre o demônio.

Aparecendo-lhe por duas vezes, Haizmann expressa as visões que tem do demônio através de sua arte ao mesmo tempo em que realiza pactos com a entidade maléfica no intuito de obter, ao invés de riqueza e mulheres, a cura do estado depressivo em que se encontra.

As elucubrações de Freud sobre a respeito da figura paterna e sua relação com as pinturas de Haizmann apontam para a maestria das formações de compromisso, tão tantalizantes quanto os compromissos satânicos exercidos por Haizmann na tentativa inconsciente de "nos ensinar" que "aquilo que é, é o substituto do que não foi".

Trabalhando como pintor no interior da igreja de Pottenbrun, Haizmann começa a ter visões e fortes convulsões. Realiza, a partir de suas visões do demônio, pactos com este.

Qual o motivo do pacto com o demônio? Logo após a morte de seu pai, o pintor teria caído em depressão melancólica, combinada a uma inibição no trabalho. Sem mais poder exercer sua função de pintor colocava em risco sua sobrevivência e seu futuro.


Excertos Sobre Algumas Elucubrações de Freud Contidas no Texto

...sabemos que Deus é um substituto paterno, ou, mais corretamente, que ele é um pai exaltado, ou, ainda, que constitui a cópia de um pai tal como este é visto e experimentado na infância - pelos indivíduos em sua própria infância, e pela humanidade em sua pré-história, como pai da horda primitiva e primeva. Posteriormente na vida, o indivíduo vê seu pai como algo diferente e menor. Porém, a imagem ideativa que pertence à infância é preservada e se funde com os traços da memória herdados do pai primevo para formar a ideia que o individuo tem de Deus (Freud, 1923, p. 101).


...Sabemos também, da vida secreta do indivíduo revelada pela análise, que sua relação com o pai for talvez ambivalente desde o início, ou, pelo menos, cedo veio a ser assim. Isso equivale a dizer que ela continha dois conjuntos de impulsos emocionais que se opunham mutuamente; continha não apenas impulsos de natureza afetuosa e submissa, mas também impulsos hostis e desafiadores. É nossa opinião que a mesma ambivalência dirige as relações de nossa humanidade com sua Divindade (Freud, 1923, p. 101).


Primeira e Segunda Aparição do Demônio Revelando a Relação de Ambivalência para com o               Pai:


Quadros do Pintor de C. Haizmann Retratando as supostas Aparições



Primeira visão do Demônio pelo pintor C. Haizmanm. O Diabo aparece aqui como uma figura honesta, um cidadão de barbas, bem vestido, enfim, o pai que nos ama reciprocamente.










Aqui já temos uma figura terrificante de pai, com chifres, garras e asas de morcego tendo uma forma bastante bizarra.


...Não é preciso muita perspicácia para adivinhar que Deus e o Demônio eram originalmente idênticos - uma figura única posteriormente cindida em duas figuras com atributos opostos. Nas épocas primitivas da religião o próprio Deus ainda possuía todos os aspectos terrificantes que mais tarde se combinaram para formar uma contraparte dele (Freud, 1923, p. 102).


...Se o Deus benevolente e justo é um substituto do pai, não é de admirar que também sua atitude hostil para com o pai, que é uma atitude de odiá-lo, temê-lo e fazer queixas contra ele, ganhe expressão na criação de Satã (Freud, 1923, p. 102).


... o Demônio exibe, além de dois seios, um grande pênis terminando por uma serpente (Freud, 1923, p. 105).


... por que deveria seu pai, após ser reduzido á condição de Demônio, portar essa marca física de uma mulher? A característica, a princípio, parece difícil de interpretar, porém logo encontramos duas explicações que competem uma com a outra, sem se excluírem mutuamente. A atitude feminina de um menino com o pai sofre repressão tão logo ele compreende que sua rivalidade com uma mulher pelo amor do pai tem, como precondição, a perda de seus próprios órgãos genitais masculinos - em outras palavras: a castração (Freud, 1923, p. 106).


...O repúdio da atitude feminina é, assim, o resultado de uma revolta contra a castração. ELA NORMALMENTE ENCONTRA SUA EXPRESSÃO MAIS FORTE NA FANTASIA INVERSA DE CASTRAR O PAI.     Desse modo, os seios do Demônio corresponderiam a uma projeção da própria feminilidade do indivíduo sobre o substituto paterno (Freud, 1923, p. 106).


... aceitar a castração lhe tornou impossível apaziguar seu anseio pelo pai, é perfeitamente compreensível que tenha voltado para a imagem da mãe em busca de auxílio e salvação (Freud, 1923, p. 106).


... A segunda explicação desses acréscimos femininos ao corpo do Diabo não tem mais um sentido hostil, mas afetuoso. Ela vê na adoção dessa forma uma indicação de que os sentimentos ternos da criança pela mãe foram deslocados para o pai, e isso sugere que houve  previamente intensa fixação na mãe, fixação que, por sua vez, é responsável por parte da hostilidade da criança para com o pai (Freud, 1923, p. 106).


BIBLIOGRAFIA


FREUD, S. Uma Neurose Demoníaca do Século XVII. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1923.




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Joseph Campbell e o Mito do Dragão



               Joseph Campbell nos brinda com um tema intrigante, a saber, o Mito do Dragão e sua dialética com a psicanálise. 
               Campbell problematiza o "narcisismo" e as noções de ego ideal e ideal de ego utilizando-se de mitos nada corriqueiros e amiúde faltantes em grupos de estudo como é o caso do Mito de São Jorge. 
               É em sua aclamada obra "O Poder do Mito" que Campbell trata de um ego tantalizante no atrelamento com o "si mesmo" ao mesmo tempo em que aborda a função do terapeuta nesta jornada outrora escrutinada. 


             Sobre o Mito de São Jorge e o Dragão Campbell escreve: 
       
     ...estamos aprisionados em nossa própria caverna do dragão. O objetivo do terapeuta é desintegrar esse dragão, pulverizá-lo, para que você possa se expandir num campo maior de relacionamentos. O último dragão está dentro dentro de você, é o seu ego, pressionando-o.
"Psicologicamente, o dragão é o atrelamento de si ao seu próprio ego".

             Para Campbell o ego seria tudo o que você pensa querer, aquilo em que deseja acreditar, o que você acha poder enfrentar, o que você decide amar, aquilo que se julga ligado. Em psicanálise sabemos o quanto um indivíduo que acredita ser Deus, o super-homem ou a "verdade em pessoa" pode prejudicar-se em seus relacionamentos sociais, familiares, etc...
             Campbell minuta serem os dragões do Ocidente os representantes da cobiça. Neste sentido, para o mitólogo, o dragão de nossas histórias procura juntar e acumular coisas, todas para si mesmo. "Ele guarda essas coisas na caverna secreta: pilhas de ouro e, quem sabe, uma virgem raptada. Ele não sabe o que fazer com o outro nem com a virgem, por isso se limita a guardá-los."
          Nas pesquisas de Campbell fica claro que Buda não mostrava a verdade em si, mas o caminho que leva a ela, porém, sempre ressaltando que precisa ser o seu caminho, não o de Buda. Na relação com a terapia, o terapeuta lhe ajudará a encontrar o caminho, mas o seu caminho não é o do terapeuta, é o seu próprio caminho até lá embaixo, na morada do seu dragão interior, o caldeirão tantalizante da angústia, que o terapeuta lhe ajudará a ligar possibilitando o analisando falar de seu próprio desejo.

           
            Em breve falaremos sobre uma das Vicissitudes do Afeto:                                                                                 "                      "quando ele se liga a uma nova idéia"